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Contraste à base de gadolínio para ressonância magnética

A maioria dos agentes de contraste utilizados para exames de ressonância magnética (RM) é à base de quelatos do íon paramagnético gadolínio (Gd), que vem sendo utilizado desde o final da década de 1980(1). Algumas estimativas não-oficiais mostram que, aproximadamente, mais de 90 milhões de doses já foram administradas no mundo todo.

Os tipos de contraste à base de Gd que existem no mercado, atualmente, podem ser divididos em duas categorias, extracelular inespecífico e intracelular específico, sendo que a principal diferença está na molécula quelante que carrega o Gd. De modo geral, considera-se que os agentes de contraste à base de Gd são muito mais seguros que o contraste iodado utilizado na radiologia convencional e nos exames de tomografia computadorizada (TC); no entanto, existem complicações, as quais devem ser reconhecidas, para tratamento adequado e para orientação antes e após a realização do exame.

Esta revisão tem o objetivo de apresentar uma descrição sucinta dos tipos de meios de contraste à base de Gd, possíveis complicações e medidas para prevenção e tratamento destas.

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O USO DOS AGENTES DE CONTRASTE INTRAVENOSO PARA RM E TIPOS DE MEIOS DE CONTRASTE À BASE DE Gd

Na natureza, o Gd é encontrado como uma terra rara, elemento químico de difícil extração da rocha que o contém, e apresenta-se como um cristal branco prateado. Em temperatura ambiente, é um dos poucos metais que apresenta propriedades ferromagnéticas. O Gd tem aplicações em fornos de microondas, aparelhos de televisão e outros componentes eletrônicos. Em medicina, o Gd é utilizado apenas na forma de soluções compostas para realce em exames de imagem.

O efeito desejado e, conseqüentemente, o mais importante do Gd como meio de contraste para RM é a redução do tempo de relaxamento T1 nos tecidos em que se encontra o composto. É interessante notar que as imagens de RM não mostram o Gd propriamente dito, mas sim seu efeito paramagnético sobre os tecidos ao seu redor. De modo geral, a maioria dos meios de contraste à base de Gd tem distribuição pelo corpo semelhante àquela apresentada pelo contraste iodado. Contudo, a sensibilidade da RM ao Gd é comprovadamente maior que a da TC ao contraste iodado. 
Usualmente, o volume médio de contraste administrado por via intravenosa nos exames de RM varia entre 10 ml e 20 ml. Este volume é 5 a 15 vezes menor do que o utilizado com os contrastes iodados na TC, e com certeza é um dos motivos pelo qual o uso do Gd é mais seguro.

Além do fator relacionado ao volume de injeção, outros fatores são extremamente importantes na avaliação da segurança de um agente de contraste e estão relacionados à toxicidade inerente do composto, à sua estabilidade na circulação e ao seu grau de depuração no corpo humano. O íon Gd, quando livre na circulação, é bastante tóxico, com meia-vida biológica de algumas semanas, ou seja, muito maior do que a apresentada pelos compostos quelados de Gd, que é por volta de 1,5 hora(2,3). O íon Gd, quando quelado a uma molécula, tem sua farmacocinética alterada, acelerando sua depuração e, portanto, reduzindo acentuadamente a sua toxicidade relativa(3). A quelação do Gd possibilita aumento de até 500 vezes na taxa de excreção renal do composto. O agente quelante é o que diferencia os diversos meios de contraste à base de Gd encontrados no mercado.
Outras características que também afetam diretamente a segurança desses agentes são: estrutura molecular iônica versus não-iônica (a não-iônica é preferível), osmolaridade (quanto menor a osmolalidade, melhor) e viscosidade (baixa viscosidade é preferível e influencia na velocidade com que o contraste pode ser injetado). O Quadro 1 apresenta o resumo dessas características para alguns dos meios de contraste à base de Gd em uso atualmente. Pode-se dizer que a estrutura molecular e a osmolalidade têm importância menor na questão de segurança quando se compara o Gd aos contrastes iodados, devido ao menor volume de injeção utilizado na RM.

Ainda em relação à segurança dos meios de contraste paramagnéticos, o fator mais importante é a estabilidade, ou seja, a resistência à quebra do agente em seus componentes, com liberação do íon Gd na circulação. Atualmente, os dois quelantes de Gd mais estáveis são o Magnevist® e o MultiHance®, sendo que o Magnevist é o com maior tempo em uso e, portanto, o mais testado clinicamente. Relatos mais antigos descrevem a segurança do Magnevist em diferentes populações, incluindo pacientes com insuficiência renal crônica(4,5) e pacientes pediátricos(6). O agente MultiHance tem, aproximadamente, duas vezes o tempo de relaxação T1 dos outros quelantes, o que significa que meia dose tem o mesmo efeito que os outros agentes e pode ser uma alternativa para a redução de volume de contraste injetado, quando for de interesse. Já o Primovist® causa redução do tempo de relaxação num grau ainda muito maior que o MultiHance, no entanto, trata-se de um agente de contraste relativamente novo no mercado europeu e ainda não foi aprovado para uso nos Estados Unidos. Tanto o MultiHance quanto o Primovist são agentes mistos, ou seja, são excretados por via renal e hepática, sendo que a excreção pelos hepatócitos determina importante efeito na caracterização de lesões hepáticas, porém sem excluir seu uso para o estudo dinâmico de outros órgãos após injeção rápida.

COMPLICAÇÕES DOS MEIOS DE CONTRASTE À BASE DE Gd

Reações adversas agudas

As reações adversas agudas ao Gd podem ser divididas entre maiores ou graves, e menores, e entre gerais e locais. A incidência total de reações adversas aos meios de contraste em RM varia, aproximadamente, entre 2% e 4%.
As reações menores gerais mais comuns são náuseas, vômitos, urticária e cefaléia, enquanto as locais são irritação, ardor e sensação de frio.
Pode ocorrer aumento transitório nos níveis séricos de bilirrubina (Magnevist, 3% a 4% dos pacientes) e de ferro (com o Magnevist® e OmniscanTM, regride completamente em 24–48 horas). A passagem de contraste à base de Gd pela placenta em gestantes e para o leite em mulheres na lactação já foi demonstrada; de maneira geral, recomenda-se a não-utilização deste meio de contraste nestas situações.

Casos de reações adversas agudas maiores ao Gd, como laringoespasmo e choque anafilático, são raros(7). Descreve-se incidência de 0,01% de reações anafilatóides com o uso de Gd, enquanto para o contraste iodado iônico chega a 0,17%.
Reações adversas após a injeção intravenosa de Gd são mais freqüentes em pacientes que já tiveram reações prévias a qualquer tipo de contraste de uso interno, quer seja Gd ou o contraste iodado(8). Dezesseis entre 75 (21%) pacientes que tiveram reação alérgica ao Gd apresentaram nova reação em injeções subseqüentes(9). Pacientes com história de reação prévia ao contraste iodado têm mais que o dobro de chance de apresentar reação alérgica ao Gd, com incidência de 6,3% em um estudo com 857 pacientes(10). Pacientes com asma também têm maior probabilidade de reação adversa ao Gd. Pacientes com história de alergias, de modo geral, têm risco aumentado de 2 a 3,7 vezes maior que pacientes sem história de alergia.
Pacientes com história prévia de alergia a qualquer tipo de contraste intravenoso ou de outras alergias podem se beneficiar do uso de esquema de medicação antes do exame com costicosteróides e anti-histamínicos, devem ser seguidos mais de perto durante a injeção do Gd, bem como ficar em observação por mais tempo após a injeção do contraste paramagnético(8). É importante notar, porém, que a validade do uso da pré-medicação é controversa, mesmo para o caso de contrastes iodados(11).

Em relação à incidência de complicações menores, também existe diferença relativamente grande, sendo quantitativa e qualitativamente maior com os contrastes iodados da TC. No entanto, as complicações com o uso do Gd existem, e mais recentemente, uma possível associação entre seu uso e uma doença dermatológica rara que ocorre em pacientes com insuficiência renal foi descrita(12,13). Esta associação foi tema de um anúncio público oficial pela agência americana de regulação de drogas, a Food and Drug Administration (FDA), e esta já recomendou aos fabricantes de agentes de contraste à base de Gd a adicionar uma tarja de aviso sobre a fibrose nefrogênica sistêmica(14). O que a princípio mostrava-se um problema menor e restrito, parece cada vez mais se configurar como um problema real e que deverá alterar a conduta de uso destes agentes. Maior discussão sobre esse assunto é relatada a seguir.

Dermopatia fibrosante nefrogênica (DFN)/fibrose nefrogênica sistêmica (FNS) e agentes de contraste à base de Gd em pacientes com doença renal grave

Recentemente, foi relatado que, num período de quatro anos, 20 pacientes na Dinamarca e cinco na Áustria desenvolveram uma rara doença que é vista somente em pacientes com função renal gravemente diminuída. Todos os pacientes receberam Omniscan para exame de angiografia por RM poucas semanas ou meses antes do início da doença. Por volta de 17.500 pacientes são examinados com Omniscan por ano na Dinamarca. Desde janeiro de 2002, cerca de 400 pacientes com insuficiência renal foram examinados, dos quais 20 (5%) desenvolveram DFN.

A DFN, agora mais conhecida como FNS, foi primeiramente diagnosticada em 1997 e formalmente descrita em 2000(15). É associada ao aumento da deposição tecidual de colágeno, ocasionando espessamento e endurecimento da pele (envolve predominantemente as extremidades distais, mas ocasionalmente pode envolver o tronco) e fibrose que pode acometer outras partes do corpo, incluindo diafragma, coração, vasculatura pulmonar e músculos das coxas. Não há cura definitiva, embora existam alguns relatos esparsos de resposta parcial a vários tratamentos como plasmaferese, fotoforese extracorpórea e talidomina. Existem dados que sugerem retardo ou mesmo reversão dos sintomas quando ocorre melhora da função renal. A doença é progressiva e pode ser fulminante em cerca de 5% dos casos, podendo levar o paciente ao óbito.

Artigo recente publicado por Grobner descreve o desenvolvimento da FNS associado ao uso de Omniscan em cinco pacientes com insuficiência renal(13). Pacientes com esta doença progressiva, e até onde se sabe, irreversível, desenvolvem fibrose em vários órgãos, podendo manifestar graves contraturas das articulações secundárias à fibrose da pele. Os pacientes descritos no artigo citado apresentavam insuficiência renal crônica, estavam em acidose metabólica e foram submetidos a angiografia por RM, provavelmente com injeção de grande volume de contraste paramagnético. Em seguida, outro artigo foi publicado descrevendo a ocorrência da FNS em um grupo semelhante de 13 pacientes, também após a administração de Omniscan(12). Os aspectos clínicos salientados no aviso emitido pela FDA são a presença de insuficiência renal crônica e o uso de altas doses de Gd. A FDA comunica que estará avaliando todos os meios de contraste à base de Gd e não somente o Omniscan(14), apesar de todos os relatos serem específicos para este agente de contraste. Até o momento, não se sabe se outras medicações que os pacientes estavam utilizando podem ter interagido com o Omniscan. Casos ainda não-publicados de várias instituições americanas sugerem que o desenvolvimento de FNS secundária ao quelante de Gd não é raro e, até o momento, está exclusivamente relacionado com a injeção de Omniscan. O início do quadro ocorre tipicamente 16 dias após a injeção do contraste, e este tempo prolongado pode explicar por que esta relação não tenha sido descrita anteriormente. Até que surjam mais dados, é prudente evitar o uso de Omniscan em pacientes com insuficiência renal crônica em qualquer dosagem, apesar de que, provavelmente, os exames aos quais estes pacientes tenham sido submetidos foram angiografias por RM com alta dosagem de Gd (este exame não é aprovado pela FDA).

Administração de meios de contraste para RM em pacientes com insuficiência renal

Após a administração intravenosa de meios de contraste à base de Gd, o cobre e o zinco intravasculares (encontrados normalmente em pequenas quantidades na corrente sanguínea), que têm afinidade competitiva pelo quelato, deslocam parte do Gd da molécula quelante, como o ácido dietil triamino pentacético (DTPA), liberando o íon Gd livre (Gd+3). Embora o Gd seja uma substância muito tóxica, normalmente a concentração total do Gd livre é muito baixa e é eliminada com grande rapidez, possibilitando a manutenção de baixa concentração do íon livre. De fato, em pacientes com função renal normal a taxa de dissociação é menor do que a taxa de depuração, impedindo a ocorrência de qualquer fenômeno de acúmulo. Acredita-se também que as moléculas macrocíclicas tendem a fixar o Gd mais firmemente que as lineares.

À medida que novas fontes fisiológicas de íons de cobre e zinco "vazam" para o espaço intravascular, na tentativa de restabelecer o equilíbrio de sua concentração, elas também deslocam mais Gd do que quelato. Este ciclo continua até que todo o Gd quelado é eliminado do corpo pelos rins, pela filtração glomerular. Por esta razão, há uma preocupação potencial quanto ao nível do íon Gd livre em casos de insuficiência renal, assim como em pacientes com menor taxa de depuração renal de todas essas substâncias do corpo. Não está muito bem estabelecida a segurança da administração de meios de contraste à base de Gd em pacientes com distúrbios da função renal ou insuficiência renal franca. Alguns estudos sugerem que eles são bem tolerados.
O Magnevist pode ser dialisado, com mais de 95% da dose administrada sendo removida ao terceiro tratamento de diálise.

Outros efeitos adversos/colaterais de interesse

Pseudo-hipocalcemia tem sido descrita com o emprego de agentes de contraste menos estáveis, como o Omniscan e o OptiMARK®, mas não com agentes mais estáveis como o Magnevist e o MultiHance, embora existam mais pesquisas em progresso sobre este assunto(16). É importante entender que a pseudo-hipocalcemia não é uma hipocalcemia real, pois só é observada nos exames laboratoriais (calorimétricos), ocorrendo somente dentro de 24 horas após a administração do contraste. A importância do reconhecimento deste problema está na possibilidade de que a pseudo-hipocalcemia seja interpretada como hipocalcemia real e o paciente seja tratado com reposição de cálcio, o que já foi causa de morte em pelo menos um caso(16).

Ao contrário do ferro, ou mesmo do manganês, outros elementos também utilizados como contraste paramagnético, o Gd livre não é uma substância que faça parte normalmente do corpo humano e é extremamente tóxico. O Gd livre é análogo do cálcio e pode ser depositado no osso que está em desenvolvimento — no caso, o mais preocupante é com as crianças e com fetos em desenvolvimento. Os efeitos em longo prazo da deposição de Gd durante a gestação não são conhecidos, mas ainda assim é algo que deve causar preocupação. Na bula do Omniscan existe a descrição da ocorrência de malformações esqueléticas em fetos de ratos no segundo trimestre de gestação, muito provavelmente devido a toxicidade materna(17). Outra questão é o que ocorre com o quelante livre. O quelante livre pode "quelar" outros cátions, além do cálcio, como o zinco, em um processo descrito como transmetalização(18) . A transmetalização pode levar ao desenvolvimento de doenças graves em modelos animais, mas ainda não está claro qual o impacto em humanos nas doses relativamente pequenas usualmente utilizadas(19).

PRECAUÇÕES ATUAIS NA PRESCRIÇÃO DE AGENTES DE CONTRASTE À BASE DE Gd PARA USO INTERNO

1 – Evitar o uso em pacientes com insuficiência renal, pelo menos até que seja esclarecida qual a real participação destes agentes no desenvolvimento da FNS. Para isso, é necessário identificar quais os pacientes de risco para a FNS, de acordo com a recomendação da FDA: a) insuficiência renal grave aguda ou crônica (taxa de filtração glomerular < 30 ml/min/1,73 m2); b) disfunção renal aguda relacionada à síndrome hepatorrenal ou no período perioperatório de transplante hepático. Os meios de contraste a serem evitados são: Omniscan, Magnevist e OptiMARK. Todavia, é prudente considerar todos os agentes à base de Gd até que novas evidências apareçam. Caso seja necessária a realização de RM com injeção de contraste nesses pacientes, deve-se considerar que seja utilizado o menor volume possível e que eles sejam submetidos a hemodiálise logo após o procedimento (o ideal seriam três seções de hemodiálise em dias seguidos).
2 – Não utilizar o Gd como substituto de contraste iodado, exceto se extremamente necessário e após monitoração do nível de creatinina, com programação de hemodiálises repetidas, caso necessário.
3 – Evitar o uso em gestantes e crianças.
4 – Considerar a possibilidade de pré-medicação com corticosteróide e anti-histamínicos em pacientes com história prévia de reação alérgica a contrastes de qualquer tipo ou história de alergia grave.
Por fim, é importante diferenciar os agentes à base de Gd daqueles à base de partículas de ferro e à base de manganês, os quais têm indicações mais restritas, apresentam outros tipos de complicações e são muito menos utilizados na rotina diária dos serviços de RM em todo o mundo. No Brasil, inclusive, tais contrastes ou não foram introduzidos ou têm seu uso muito restrito, devido ao alto custo.

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